4 de dezembro de 2011

Educação (mais) gratuita

Todos os anos no fim de Agosto e inícios de Setembro há um fluxo enorme de compras que são feitas para o "Regresso às Aulas". Há que comprar os livros para as várias disciplinas, novos cadernos, canetas e mochilas. Todos os anos há uma ou outra reportagem na televisão ou jornais a entrevistar alguém para quem este peso é imenso mas que como é para o bem dos seus filhos faz o sacrifício extra.

O 74º artigo da nossa Constituição diz que "na realização da política de ensino incumbe ao Estado assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito", tudo isto no interesse de assegurar o direito de igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar. No entanto, mesmo que a frequentar uma escola não incorra em custos adicionais para os pais, ainda há este custo inicial dos livros e materiais que se têm de comprar ao início de cada ano lectivo e que pode ser um detrimento para muitos oferecerem a educação aos seus filhos. Será que não se poderia também resolver este problema?

Desde que tenho um Kindle e que experimentei em primeira mão esta tecnologia de ebooks que acho que poderiam ser a forma ideal para reduzir em muito os custos da educação que ainda são impostos aos pais dos educados. Imaginemos um EduKindle que qualquer pessoa pode comprar para o seu filho e que o segue durante a vida escolar. Nesse dispositivo o aluno teria à sua disposição a versão electrónica de todos os livros que precisa nesse ano, que seriam actualizados todos os anos fazendo com que nunca fosse preciso comprar livros no início do ano lectivo. O preço deste dispositivo, se fosse equiparável ao preço de um Kindle actual, rapidamente seria amortizado ao longo dos anos de escolaridade obrigatória e todos os alunos ganhavam com este equipamento. Não só tinham a educação mais barata, aliviando a carteira dos pais, como também não tinham de carregar com quilos e quilos de livros às costas (um Kindle pesa 170 gramas e pode facilmente "carregar" com os livros todos).

Para reduzir os gastos sazonais, poder-se-iam desenvolver formas de usar o ecrã do EduKindle como papel, e guardar um "caderno" no EduKindle permitindo reduzir também nos custos em cadernos e material de escrita. Para reduzir o impacto da compra do EduKindle no primeiro ano de escola de uma criança, podia-se garantir que os pais compravam o dispositivo em prestações (sem juros!).

Como esta ideia, há outras ideias menos tecnológicas que poderiam ajudar a mover o fardo da educação (que se quer o mais barata possível para as famílias de forma a providenciar igualdade de acesso principalmente aos mais pobres) das famílias para o Estado. Um exemplo seria as escolas manterem um repositório de livros suficientemente grande para emprestar aos alunos (ou, para poupar um pouco, pelo menos aos alunos mais carenciados). Um grande "contra" desta abordagem seria que de dois em dois anos "teria" de se renovar a reserva de livros já que os livros recomendados das disciplinas mudam de dois em dois anos.

É aqui altura para analisar o porquê desta renovação bianual* de livros. Porque é que o filho de nove anos não pode usar o mesmo livro para aprender as mesmas matérias que o filho de onze anos usou dois anos atrás?



O modelo actual de todos os alunos precisarem de comprar meia dúzia de livros todos os anos só beneficia um grupo: as editoras que imprimem e distribuem os livros (e em muito menor escala, os autores dos mesmos). É escandalosamente óbvio que não se muda a forma como os livros são distribuídos pelas crianças para manter estas receitas sazonais das grandes editoras portuguesas. Os mecanismos menos tecnológicos que falei não são postos em prática (em grande escala) para manter o negócio das editoras. O EduKindle nunca seria considerado pelas mesmas razões: estaria a mexer com os interesses económicos de jogadores muito grandes e com muita influência, e não podemos ter disso.

Existe uma maneira óbvia de usar a tecnologia que já existe para melhorar substancialmente um aspecto básico da nossa sociedade, e não se envereda por esse caminho para não afectar os grandes interesses económicos instalados. Isto, na minha opinião, é um exemplo de como a nossa sociedade actual tem os valores seriamente trocados. O direito das pessoas a uma educação sem entraves económicos devia prevalecer sobre o "direito" ao lucro das empresas de distribuição de papel com tinta, e este tipo de iniciativas devia ser incentivada ou mesmo completamente subsidiada pelo Estado. Isto, por exemplo, era algo que não me importaria de pagar mais impostos para ter.

* Digo bianual, mas na realidade não faço ideia com que frequência actualmente mudam os livros "recomendados" pelo Ministério da Educação / Escolas. Fica, no entanto, a referência que o meu irmão, três anos mais novo e a ir para as mesmas escolas que eu, teve de comprar livros novos porque os que eu tinha não serviam.

24 de novembro de 2011

Faço Greve

Foi convocada uma greve geral para o dia de hoje, 24 de Novembro, à qual eu estou a aderir. Hoje não vou trabalhar como costumo fazer todos os dias, para ir para a rua manifestar-me e lutar contra o rumo que o país está a tomar no que diz respeito a políticas sociais.

Todos estamos cientes que o país está a ser chantageado pela Troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu, Comissão Europeia) de forma a proceder ao seu "resgate financeiro" em troca da mudança, por vezes inconstitucional, da maneira como distribuímos os nossos dinheiros públicos pelos mais necessitados e para providenciar um bom conjunto de direitos básicos (justiça, educação, alimentação, habitação).

Estas medidas, que já foram impostas a outros países com resultados desastrosos, não fazem nada para melhorar a vida do cidadão comum, trabalhador por conta de outrem (seja privado ou o Estado), e visam apenas que o pacote de "resgate" seja um bom investimento financeiro para os membros da Troika. Este "resgate" está a preparar-se para ser pago com o recuo em décadas dos direitos ganhos pelos trabalhadores, e não estou preparado para admitir isso.

Faço hoje greve não contra a minha entidade patronal (que é contra quem normalmente são dirigidas as greves), mas contra as medidas que o governo está a tomar que afectam todos, incluindo todos os que trabalham comigo na Outsystems.

Disse um colega meu sobre greves que não é ficando parado que se faz o mundo avançar. Eu acho que não é fazendo o mesmo que se faz todos os dias que se muda o mundo. Ambos temos razão, por isso é que hoje embora não vá trabalhar, também não vou ficar parado sem fazer nada em casa. Pretendo juntar-me à manifestação que vai haver desde o Rossio até à Assembleia a dar mais a minha voz aos protestos contra o modelo de austeridade (1) que apenas acentua as diferenças sociais, que são a verdadeira raiz do nosso problema (2).

Para além deste acto isolado de juntar a minha voz à de (espero) milhares de pessoas, também tenciono procurar outros meios de lutar contra este sistema no meu dia a dia.

(1) Mark Blyth on Austerity
(2) Richard Wilkinson: How economic inequity harms societies

5 de agosto de 2011

Software Units

No contexto do licenciamento da Agile Platform (o produto desenvolvido pela Outsystems, a empresa onde trabalho) existe o conceito de Software Units* (SU) que são, de grosso modo, uma medida da complexidade das aplicações criadas e mantidas na Agile Platform. A Agile Platform usa uma abordagem gráfica para descrever como é que páginas de uma aplicação web devem ser criadas e uma linguagem simples de programação específica ao domínio para descrever a lógica das aplicações. As Software Units são calculadas atribuindo um valor a cada elemento da linguagem gráfica e somando-os todos.

Os pesos de cada elemento (1) são atribuídos de uma forma arbitrária mas que tem principalmente em conta quanto trabalho é que a plataforma poupa ao utilizador em relação com produzir e manter o código necessário para a funcionalidade numa linguagem de mais baixo nível (C# ou Java, para dar o exemplo das linguagens para as quais o nosso código é compilado). É por isso que uma pergunta simples à base de dados (Simple Query) vale 20 SU's enquanto uma pergunta avançada vale 2. No caso da pergunta simples, a plataforma gere coisas como só trazer os campos que são usados pela aplicação de forma a melhorar o desempenho (2), enquanto que numa pergunta avançada, embora se tenha maior poder expressivo, toda a gestão da pergunta tem de ser feita pelo programador, tal como seria numa linguagem de mais baixo nível.

Este meu post tem a ver com a nota que o Pedro Oliveira faz no post no fórum, em que ele diz para se "evitar a todos os custos desenvolver com o objectivo de minimizar o consumo de Software Units. Esta prática irá muito provavelmente conduzir a código de difícil manutenção com uma arquitectura torcida que destrói totalmente a razão para o uso da Agile Platform" (tradução minha).

Volta e meia aparece-nos lá na Manutenção (a equipa em que estou presentemente inserido) e nos fóruns exemplos retorcidos do uso da Agile Platform que têm obviamente (às vezes mesmo assumidamente) o intuito de "poupar Software Units". Temos clientes a perguntar porque é que referências a entidades no Integration Studio não estão a criar as entidades, ou clientes que fizeram perguntas avançadas quando uma simples chegava bem a queixar-se que o desempenho está mau. Tal como o Pedro avisou, estas práticas levam a código de difícil manutenção e à subversão total do objectivo pelo qual se usa a Agile Platform. Devido ao facto de ser mais caro programar "como deve ser" podemos estar a criar algum desconforto nos nossos clientes que se vêm forçados a usar estas técnicas pouco saudáveis para poupar uns trocos e que depois têm de manter o código que fazem porque não estão a tirar total partido da Agile Platform.

Há aqui claramente um conflito de interesses entre usar bem a Agile Platform e o quanto ela custa ao cliente. O cliente enfrenta o dilema entre fazer bom uso da Agile Platform e tirar o máximo proveito económico do produto que comprou. Visto de outra forma: ao mesmo tempo que nós, Outsystems, dizemos que se deve programar de uma certa forma na Agile Platform estamos a penalizar financeiramente quem o faz. E os clientes, confrontados com a escolha entre ter de pagar mais para continuarem a trabalhar e transformar umas perguntas simples em perguntas avançadas, usualmente vão escolher programar "mal". Especialmente nas gamas mais baixas da plataforma (a versão "Community" grátis, Edição Standard) onde estão mais limitados no que diz respeito a Software Units e não têm ainda uma fábrica aplicacional muito pesada.

A verdade é que quando confrontados com ter de gastar mais dinheiro, a maioria dos nossos clientes (o nosso alvo de mercado são especificamente empresas) vai estrebuchar o máximo que conseguir para o evitar. Quando esse ponto de pressão para adquirir uma nova versão da Agile Platform é através da quantidade de Software Units, pela maneira como se atinge esse limite, há uma maneira relativamente fácil de optimizar as aplicações de forma a serem mais baratas. Isto é detrimental para a Outsystems porque quem chega ao ponto de precisar de comprar uma versão acima por causa da complexidade da fábrica aplicacional tem uma hipótese para se safar de comprar a versão mais acima. Ainda pior que só ter essa hipótese é que a seguir vai ficar mais descontente com a Agile Platform se seguir essa hipótese, já que vai estar a usar elementos menos optimizados da linguagem que não só causam um deterioramento do desempenho das aplicações como também são de manutenção mais difícil.

Acho que nesta altura ninguém terá alguma dúvida sobre qual é o ponto deste texto, mas fica sempre bem enunciá-lo claramente e suportá-lo com mais um pouco de argumentação a favor (e não apenas enunciar pontos contra a abordagem actual, como no resto do texto). Pessoalmente acho que era proveitoso para todos os envolvidos (Outsystems e os seus clientes) que a contagem das Software Units fosse repensada de forma a promover boas práticas em vez da abordagem actual de tentar reflectir o valor que a Agile Platform oferece com o elemento da linguagem.

Eu até acho que faz sentido cobrar-se pelo trabalho que a Agile Platform tem, e até compreendo que se queira cobrar mais pela plataforma fazer mais. Mas a partir do momento em que estamos a cobrar por programar bem, os clientes chegam à altura em que deveriam simplesmente pagar mais e têm a hipótese de programar mal para adiar esse facto. Acho que a maneira de contar Software Units que proponho (penalizando o uso de perguntas avançadas, por exemplo) iria não só fazer com que se programasse "melhor" como a abordagem preferida, como também tinha a vantagem de que quando se batessem nos limites de Software Units as hipóteses que apresentamos aos são pagar mais ou melhorar as aplicações. Na realidade quem chega a este ponto e já esteve a seguir as nossas recomendações de como programar, a única hipótese que tem seria comprar uma versão que permitisse mais Software Units. Assim, o que ensinamos nos bootcamps ajuda a fazer mais com a Agile Platform em vez de haver uma alternativa mais barata. Se os clientes chegam ao limite de Software Units e tiraram o máximo partido da Agile Platform e ainda por cima fizeram mesmo bastante com ela, é espectável que fiquem mais satisfeitos com o produto que oferecemos e que se sintam menos relutantes em adquirir mais Software Units.

Outro aspecto que consideraria uma vantagem desta abordagem é que certamente que surgiria uma pressão para criar elementos da linguagem para os usos mais comuns das perguntas avançadas que não podem ser concretizados com perguntas simples. A verdade é que havendo uma maneira barata de fazer alguns padrões de perguntas está a eliminar a pressão para desenvolver a linguagem da Agile Platform de forma a suportar estas perguntas à base de dados. Se usar perguntas avançadas fosse mais caro do que usar perguntas simples (ou outros elementos mais promovidos da linguagem) era certo que haveria pressão para se criarem elementos da linguagem específicos para essas situações, o que só tornaria o produto que oferecemos ainda melhor do que já é.

(1) How do we count Software Units? (Pedro Oliveira - Fóruns Outsystems)
(2) O que distingue um bom programador? (Canto do ardoRic)

* Vou manter a terminologia em inglês embora contraste um pouco com o resto do texto em português

23 de julho de 2011

Responsabilidade

Estava no outro dia a discutir responsabilidade com dois amigos meus. A conversa revolvia em torno de sobre-endividamento (de pessoas/famílias) e era da opinião de um de nós que a responsabilidade destas situações recaía completamente na pessoa que contraí dívidas em cima de dívidas que não tem hipóteses de pagar.

A ideia é relativamente simples, se as pessoas que contraem os empréstimos tivessem mais cuidado, se informassem melhor do que se estão a meter e olhassem melhor de uma forma racional para o que implica contrair aquele empréstimo, não chegavam à situação desesperante de ter empréstimos para pagar empréstimos que não conseguiram pagar anteriormente. Para ele cabe a quem vai contrair empréstimos informar-se adequadamente sobre o que está a fazer, ou tomar em si mesmo a totalidade das consequências e responsabilidade da decisão.

Embora seja principalmente a pessoa (e potencialmente os seus dependentes) quem sofre as consequências da decisão final, não é tão preto no branco para mim que a responsabilidade recaia sempre completamente em quem toma uma decisão deste calibre. Para tentar explicar melhor o meu ponto vou usar uma metáfora bastante mais simples do que a contracção de um empréstimo, a queda devido a uma casca de banana.

Na visão do meu amigo, estando uma casca de banana no chão e alguém caindo devido a ela, a responsabilidade é completamente da pessoa que caiu. Está nos seus deveres olhar para onde anda com a atenção devida para evitar escorregar em cascas de bananas. Isto tudo era verdade se as cascas de banana se materializassem em locais aleatórios. Mas as cascas não se materializam.

Do outro lado da casca de banana há geralmente alguém que a deixou no local onde ela se encontra actualmente. Há aqui duas situações muito distintas no que diz respeito à responsabilidade pela queda: A primeira é a situação da pessoa que acabou de comer uma banana e deitou (ou deixou cair) a casca para o chão. A segunda é a situação da pessoa que colocou a banana no chão propositadamente para que alguém tropeçasse nela. Parece-me óbvio que, mesmo nestes dois casos, a responsabilidade da queda não recai totalmente na pessoa a quem aconteceu, e ainda mais óbvio que há uma diferença importante entre a responsabilidade de quem deixou a casca no sitio por acaso e a de quem a deixou no sitio propositadamente.

E se quem deixa uma armadilha para outros caírem nela tem responsabilidade na queda, ainda mais responsabilidade tem aquele que propositadamente coloca a casca num local que sabe que é bastante provável que alguém que passe por lá caia, seja porque a visibilidade é má ou porque há alguma distracção frequente. E também não excluo da responsabilidade quem oferece incentivos (por exemplo, um ordenado) para que hajam pessoas a fazer cair o maior número possível de pessoas (talvez porque têm uma clínica perto).

Quando há uma sociedade inteira a impelir os indivíduos a quererem mais apenas para terem mais, quando há pessoas a estudar afincadamente como convencer outros a comprar o que eles querem que seja comprado, e especialmente quando há pessoas a contratar as melhores pessoas para tirarem partido das fragilidades dos compradores, é difícil para mim dizer que a responsabilidade recai totalmente em quem compra, em quem incorre em dívidas.

24 de junho de 2011

Método d'Hondt

O método d'Hondt é o sistema de distribuição de votos por candidatos, consagrado na Constituição Portuguesa, que usamos em Portugal para atribuir os deputados de cada zona à Assembleia da República (AR).

No passado dia 5 de Junho os portugueses foram às urnas para eleger um novo governo. Esse governo acabou por ser do PPD/PSD (e para ter a maioria absoluta, também do CDS/PP). É da minha opinião que a utilização do método d'Hondt como nós usamos dá azo a uma distribuição profundamente injusta dos deputados da AR pelos partidos. Vou usar este post para apontar os problemas que vejo nesta abordagem. Aproveito também para sugerir um sistema que me pareceria mais justo.

Para ajudar a minha discussão criei uma folha de cálculo com algumas estatísticas sobre as relações entre votos e deputados na assembleia das eleições que passaram. Podem encontrar esse documento aqui (de notar que os valores reflectem os votos antes de se saberem os resultados do estrangeiro).

Este documento tentar colocar em perspectiva algumas das injustiças do nosso sistema eleitoral. Por exemplo, é claramente óbvio que "custa" muito menos ao PS e ao PSD (20-21 mil votos/deputado) eleger deputados do que a partidos mais pequenos (27-36 mil votos / deputado). Mas o mais engraçado desta medida em particular é a barreira de entrada para o Parlamento havendo um partido com três vezes mais votos do que cada deputado custou ao PSD ou ao PS, ou quase duas vezes tantos votos como o que cada deputado custou ao BE e mesmo assim não conseguiu um único assento na assembleia.

Também é engraçado notar que com "apenas" 38% dos votos dos eleitores (que se manifestaram), o PSD conseguiu eleger 46% dos deputados do Parlamento. Em contraste o BE, com 5% dos votos, elegeu pouco mais de 3% dos deputados.

Outro número giro nesta coisa toda é o número enorme de votos que são desperdiçados. Há quase meio milhão de pessoas que foram votar no dia 5 de Junho e desses votos não resultou um único deputado na Assembleia da República. Neste meio milhão de pessoas estão contabilizados não só os votos em branco e nulos, mas também os votos numa série de partidos (250 mil).

Como é possível continuar a usar-se um sistema de eleições tão claramente injusto e que ainda por cima manda votos para o lixo (e nem estou a meter ao barulho as pessoas que se abstiveram, senão é que os números pareciam mesmo muito mal*)? Uma possível resposta a esta pergunta é relativamente simples, quem tem o poder para realmente mudar isto (os partidos grandes o suficiente para formarem governo) não tem interesse nenhum em que se mude este modelo já que ele favorece principalmente os partidos grandes. Deixo-vos com 2 vídeos que falam sobre o poder da abstenção e dos votos brancos/nulos neste sistema aqui e aqui.

Eu sou da opinião que a representação na Assembleia da República devia ser ditada por uma representação proporcional aos votos obtidos, no mínimo dos mínimos entre os partidos que foram votados. Para ser ainda mais justo acho que se deviam incluir lugares vazios no parlamento para "representar" os votos em branco e nulos. Desta forma (é a coluna da distribuição hipotética de deputados na folha de cálculo que criei) tínhamos a certeza que o maior número possível de votos expressos teria uma repercussão em assentos no parlamento, e portanto que votar em branco ou nulo também mandava uma mensagem e teria consequências na governação dos próximos 4 anos. Neste sistema apenas 32 mil votos seriam desperdiçados (no sentido de darem resultado a assentos parlamentares), o que me parece uma melhoria óbvia. A distribuição de deputados pelos partidos também é bastante mais próxima da distribuição de votos, e até aparecem meia dúzia de partidos com assento parlamentar que não o teriam no método d'Hondt.

Mas para mim a principal vantagem deste sistema é que retira a facilidade que há nos governos em formarem maioria absoluta. Os partidos já não conseguiriam maiorias absolutas com apenas 45% dos votos (sem contar com brancos e nulos) expressos, como o PS conseguiu nas legislativas de 2005. Nessas legislativas, mesmo sem a regra dos assentos vazios para os votos em branco, o PS não teria obtido maioria absoluta.

Volto a perguntar, porque raio é que não é assim, mesmo?

* E porque é que não estou a contabilizar estas pessoas? A palavra de alguém que queria marcar uma posição política com a sua abstenção está misturada com a palavra dos mandriões que nem se dão ao trabalho de fazerem o esforço de saírem da sua rotina diária para ajudarem a decidir o futuro do país. As pessoas que não acreditam no sistema eleitoral (um exemplo de posição que pode estar a ser tomada) estão no mesmo saco que as pessoas que foram para a praia deixando os outros decidir por elas. É evidente que acho que as verdadeiras vozes de descontentamento deviam ser ouvidas, e para tal também acredito que deviam haver formas de perguntar aos portugueses se estão contentes com o modelo da nossa sociedade.

4 de junho de 2011

Mas ele acredita mesmo naquela merda?

Ontem à noite, em torno da Bússola Política, surgiu uma valente troca de ideias no Buzz. O cerne da questão foi a exposição dos pontos de vista políticos e sociais de alguns de nós e o confronto entre esses ideias. Por trás do palco eu e o Bruno Areal (a falar no gtalk) comentámos e questionámo-nos como é que alguém com o mesmo nível de educação que nós podia acreditar em coisas tão diametralmente opostas.  Quer dizer, em principio as coisas que viu até aqui e as coisas que lhe ensinaram a crescer em principio foram bastante parecidas com o que nós aprendemos, mas em termos de visão sobre como as coisas são e como as coisas devem ser, tem uma visão quase completamente oposta.

Entretanto deu para matutar um pouco sobre o assunto e cheguei a uma ideia que pode explicar esta discrepância. A ideia é simples: a visão que temos da sociedade não foi formada durante os tempos de faculdade ou escola, é algo que já nos estava enraizada de alguma forma quando chegámos a essa idade. Com estes preconceitos em mão olhámos para as mesmas histórias, para os mesmos eventos com olhos muito diferentes e tirámos conclusões diferentes, usualmente reforçando as ideias que já tínhamos. E nesta espiral de auto-reforço das nossas opiniões tornam-se mais fortes e intrínsecas, tornando cada vez mais difícil olharmos para outras opiniões e sermos capazes de nos dissuadir das nossas próprias ideias.

Portanto a ideia é que as mesmas observações reforçam ideias que já temos de maneira diferente. É muito fácil observar este fenómeno no blog do Ludwig, neste post mais recente em particular. Analisemos apenas a história do grilo e do morcego. Para o Ludwig, os mecanismos interligados de sonar e de detecção de sonar são mais uma evidência clara de evolução: algures no tempo uma população de grilos ganhou alguma sensibilidade ao sonar dos morcegos e com essa sensibilidade teve mais hipóteses de se reproduzir. Tantas até que ao longo de gerações substituíram a população de grilos sem essa capacidade (pelo menos naquela zona geográfica) e que as mutações que aperfeiçoaram essa capacidade foram sendo cada vez mais privilegiadas. Esta história reforça a visão que o Ludwig tem da vida na Terra que esta foi evoluindo ao longo dos tempos em vez de ter sido criada por Deus. Para o Mats, a mesma história, os mesmos factos, têm uma interpretação muito diferente: Deus queria que os morcegos e os grilos andassem à noite, e como não há luz à noite para o morcego caçar deu-lhe um sonar. Para equilibrar o campo de batalha e os grilos não serem todos chacinados e poderem continuar a sair a noite, deu aos grilos um detector do sonar daqueles morcegos em especifico. Esta visão dos mesmos animais reforça a ideia do Mats que o mundo foi criado há 6 mil anos atrás por um Deus Todo Poderoso que há 2 mil anos atrás veio à terra na forma de um filho de um carpinteiro embora ele (nem ninguém) nunca tenha feito sexo com a mulher que pariu o filho*.

Agora a parte mais engraçada desta experiência toda é que mesmo estando perfeitamente ciente deste preconceito não sou, de todo, capaz de olhar para frases do Luis Nunes em que ele afirma, por exemplo, que o Belmiro Azevedo é mais importante para a sociedade que o Areal, ou quando se ri desalmadamente (como de quem acabou de dizer a maior baboseira do mundo) da proposição do Areal que "há coisas mais importantes que o dinheiro", e pensar objectivamente nelas de forma a dar razão ao ponto de vista dele. Para mim, muitas das coisas que ele disse continuam a ser uma atrocidade, mesmo sabendo que esta opinião é muito afectada pelas minhas ideias preconceituosas de como deve ser a sociedade.

* Será que nesta situação se pode dizer mesmo que o Zé é o pai terreste de Deus? Fica para outra altura esta discussão, ou talvez (mais provavelmente) não.

1 de junho de 2011

Preço de um Kindle Book

A Amazon parece já se ter apercebido que eu gosto de ler. Não era difícil de adivinhar: já lhes comprei vários livros, até comprei um Kindle. Há uns dias enviou-me um dos mails de publicidade com ofertas especiais em que uma delas era o Conde de Monte Cristo, versão Kindle, a $5 (um livro que posso obter em versão para Kindle de borla no Projecto Gutenberg, já agora).

Ultimamente quando um livro que me interessa me é mencionado a minha primeira reacção é ir ver quanto custa na Amazon. Tipicamente os preços do livro são qualquer coisa do género Versão Kindle é mais cara que a versão em  Capa Dura, que por sua vez é mais cara que a versão em Capa Mole. Dou o Traffic como exemplo. Perante este cenário, como prefiro arranjar uma versão electrónica para dar uso ao Kindle e poupar um bocado o ambiente (papel e custo de transporte), acabo por procurar versões electrónicas da candonga*. Às vezes a qualidade não é das melhores, mas quando algo é de borla a exigência também é menor.

Se a versão electrónica deste livro que eu estava à procura estivesse na Amazon à venda por $5 em vez de $13, provavelmente tinha-o comprado directamente na Amazon sem procurar a versão da candonga (que por acaso até está com boa qualidade). Ficavam a ganhar $5 em vez de "perderem" $13 (sim, estou ciente da falácia que estou a usar).

É absurdo que um livro electrónico seja mais caro que a versão mais cara de um livro físico. Qualquer pessoa com quem falo (mesmo outros donos de Kindles) diz que prefere um livro físico, que pode pegar, folhear, cheirar, a um livro electrónico, sendo essa preferência um dos principais detrimentos à aquisição de um Kindle ou de qualquer outro leitor de ebooks. Ter uma biblioteca de mil livros é certamente mais impressionante se os tivermos numa prateleira do que dentro de um aparelho que ocupa menos espaço que um livro.

Porque é que isto é absurdo? Os livros electrónicos permitem busca, procura automática de palavras no dicionário, saltar imediatamente para o próximo capítulo, ler com um formato (tamanho de letra, espaçamento entre caracteres, bordas) ao gosto do leitor, leitura em alta-voz***. Com estas possibilidades todas poder-se-ia imaginar que se pudesse dar mais valor a livros electrónicos do que a livros físicos, mas os livros físicos também têm as suas vantagens: dão para folhear (e encontrar algo rapidamente usando memória visual), dão para emprestar****, têm melhor tipografia (a forma como o livro está tipografado pode ser realmente artística), e (se calhar o aspecto mais importante) sentimos que realmente temos algo.

Além de que ao que diz respeito às vantagens que mencionei no parágrafo anterior do formato electrónico atribuímos o seu valor ao valor que o Kindle em si oferece, não ao livro específico que estou a ler. Compro um Kindle para poder buscar, pesquisar palavras, ler o livro da forma que me der mais jeito. Esse valor extra está incluído no que pago pelo Kindle, não espero que esteja cobrado sempre que compro um livro. Aliás, a promessa é mesmo que os livros electrónicos vão ser mais baratos, tornando um leitor de livros electrónicos num investimento que quantos mais livros se lerem mais rápido se paga. Isso é certamente verdade ao possibilitar-nos a leitura de livros grátis (como os do Projecto Gutenberg) ao invés de os comprar no formato físico.

Mesmo o processo de produção dos livros dá a ideia que produzir um livro electrónico é bastante mais barato do que produzir um livro físico. Sem conhecimento real de causa é fácil imaginar que os livros hoje em dia são escritos em formato electrónico, ou pelo menos que nalguma fase inicial da sua produção em massa é criada uma versão electrónica do mesmo; há todo um processo de revisão do documento para eliminar erros que será igual tanto para o formato electrónico como para o físico (já que seria feito sobre o formato electrónico inicial, antes de começar a produzir cópias físicas em massa); depois os processos começam a diferir. O formato electrónico será uma questão de converter um formato para outro (é fácil de imaginar que hajam programas que façam isso com relativa autonomia), corrigir alguns detalhes e guardar um ficheiro. O formato físico precisa de tipografia, impressões, papel. É fácil também de imaginar que disponibilizar o formato electrónico para os compradores é bastante mais barato do que fazer o mesmo ao formato físico, onde um é uma questão de colocar num de muitos servidores e permitir o seu descarregamento enquanto que no outro envolve embalagem, viagens de avião/barco, correios locais. Isto sem falar que o processo de criar uma cópia electrónica é praticamente grátis (o proverbial Ctrl+C Ctrl+V) enquanto que não se produz uma cópia física sem papeis, tinta e máquinas de impressão.

O serviço especial que se faz no que diz respeito a livros electrónicos é de armazenamento e transferência. O armazenamento de um livro de 1 MiB, num disco que custe 80 euros e tenha um TiB de espaço, custa menos de 0.01 cêntimos. A transferência do mesmo MiB numa ligação com 1 MBit de upload que custe 50 euros por mês, custa menos de 0.05 cêntimos. O custo percepcionado do armazenamento e distribuição de um livro electrónico por parte da Amazon, é inferior a 0.1 cêntimos.

Tudo isto para dizer apenas que eu (e imagino bastante mais gente) acho que o preço dos livros electrónicos (e não é só na Amazon) são bastante mais caros do que "deviam". Não só pelo baixo valor que damos a algo que não existe "na realidade", mas também pela falsa promessa de que os livros electrónicos vão ajudar a poupar dinheiro a quem os utilize muito. Embora não acredite que não tenham feito estudos sobre o valor óptimo pelo qual vender os livros electrónicos deles, acho que era um serviço que chegava a muito mais gente se os preços fossem mais acessíveis, e melhor que tudo, mais de encontro às expectativas das pessoas no que diz respeito a este novo meio de leitura. Ajudando a espalhar a prática talvez conseguissem a longo termo uma maior adopção e mais lucros. Digo eu, que nada sei de economia.

Uma nota final, estive muito tempo sem escrever nada principalmente porque tinha este post relativamente grande a entupir os rascunhos. De ora em diante vou tentar ser mais sucinto no que tenho a dizer para evitar ficar tanto tempo sem postar nada de novo bem como para mandar mais ideias cá para fora. Espero conseguir.

Desde que comecei a escrever este post que ele mudou muito pouco e entretanto não fiz posts com outras ideias que tenho tido. Muito aconteceu que gostaria de ter partilhado (e espero ainda partilhar), entre elas o facto de ter sido nabo o suficiente para ter perdido o meu Kindle (de uma das maneiras mais parvas que pode haver), altura desde a qual ate já houve tempo de mandar vir um novo.

* Os termos de leitura deste blog indicam claramente que qualquer informação revelada aqui não pode ser usada legalmente contra mim. Ao abrirem esta página estão a concordar com eles.
** Até agora ainda não vi nenhuma loja de livros electrónicos muito diferente.
*** Quando não é explicitamente proíbido.
**** O Kindle também dá para emprestar (alguns) livros, mas só uma vez por livro e durante 14 dias.