4 de junho de 2011

Mas ele acredita mesmo naquela merda?

Ontem à noite, em torno da Bússola Política, surgiu uma valente troca de ideias no Buzz. O cerne da questão foi a exposição dos pontos de vista políticos e sociais de alguns de nós e o confronto entre esses ideias. Por trás do palco eu e o Bruno Areal (a falar no gtalk) comentámos e questionámo-nos como é que alguém com o mesmo nível de educação que nós podia acreditar em coisas tão diametralmente opostas.  Quer dizer, em principio as coisas que viu até aqui e as coisas que lhe ensinaram a crescer em principio foram bastante parecidas com o que nós aprendemos, mas em termos de visão sobre como as coisas são e como as coisas devem ser, tem uma visão quase completamente oposta.

Entretanto deu para matutar um pouco sobre o assunto e cheguei a uma ideia que pode explicar esta discrepância. A ideia é simples: a visão que temos da sociedade não foi formada durante os tempos de faculdade ou escola, é algo que já nos estava enraizada de alguma forma quando chegámos a essa idade. Com estes preconceitos em mão olhámos para as mesmas histórias, para os mesmos eventos com olhos muito diferentes e tirámos conclusões diferentes, usualmente reforçando as ideias que já tínhamos. E nesta espiral de auto-reforço das nossas opiniões tornam-se mais fortes e intrínsecas, tornando cada vez mais difícil olharmos para outras opiniões e sermos capazes de nos dissuadir das nossas próprias ideias.

Portanto a ideia é que as mesmas observações reforçam ideias que já temos de maneira diferente. É muito fácil observar este fenómeno no blog do Ludwig, neste post mais recente em particular. Analisemos apenas a história do grilo e do morcego. Para o Ludwig, os mecanismos interligados de sonar e de detecção de sonar são mais uma evidência clara de evolução: algures no tempo uma população de grilos ganhou alguma sensibilidade ao sonar dos morcegos e com essa sensibilidade teve mais hipóteses de se reproduzir. Tantas até que ao longo de gerações substituíram a população de grilos sem essa capacidade (pelo menos naquela zona geográfica) e que as mutações que aperfeiçoaram essa capacidade foram sendo cada vez mais privilegiadas. Esta história reforça a visão que o Ludwig tem da vida na Terra que esta foi evoluindo ao longo dos tempos em vez de ter sido criada por Deus. Para o Mats, a mesma história, os mesmos factos, têm uma interpretação muito diferente: Deus queria que os morcegos e os grilos andassem à noite, e como não há luz à noite para o morcego caçar deu-lhe um sonar. Para equilibrar o campo de batalha e os grilos não serem todos chacinados e poderem continuar a sair a noite, deu aos grilos um detector do sonar daqueles morcegos em especifico. Esta visão dos mesmos animais reforça a ideia do Mats que o mundo foi criado há 6 mil anos atrás por um Deus Todo Poderoso que há 2 mil anos atrás veio à terra na forma de um filho de um carpinteiro embora ele (nem ninguém) nunca tenha feito sexo com a mulher que pariu o filho*.

Agora a parte mais engraçada desta experiência toda é que mesmo estando perfeitamente ciente deste preconceito não sou, de todo, capaz de olhar para frases do Luis Nunes em que ele afirma, por exemplo, que o Belmiro Azevedo é mais importante para a sociedade que o Areal, ou quando se ri desalmadamente (como de quem acabou de dizer a maior baboseira do mundo) da proposição do Areal que "há coisas mais importantes que o dinheiro", e pensar objectivamente nelas de forma a dar razão ao ponto de vista dele. Para mim, muitas das coisas que ele disse continuam a ser uma atrocidade, mesmo sabendo que esta opinião é muito afectada pelas minhas ideias preconceituosas de como deve ser a sociedade.

* Será que nesta situação se pode dizer mesmo que o Zé é o pai terreste de Deus? Fica para outra altura esta discussão, ou talvez (mais provavelmente) não.

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