24 de junho de 2011

Método d'Hondt

O método d'Hondt é o sistema de distribuição de votos por candidatos, consagrado na Constituição Portuguesa, que usamos em Portugal para atribuir os deputados de cada zona à Assembleia da República (AR).

No passado dia 5 de Junho os portugueses foram às urnas para eleger um novo governo. Esse governo acabou por ser do PPD/PSD (e para ter a maioria absoluta, também do CDS/PP). É da minha opinião que a utilização do método d'Hondt como nós usamos dá azo a uma distribuição profundamente injusta dos deputados da AR pelos partidos. Vou usar este post para apontar os problemas que vejo nesta abordagem. Aproveito também para sugerir um sistema que me pareceria mais justo.

Para ajudar a minha discussão criei uma folha de cálculo com algumas estatísticas sobre as relações entre votos e deputados na assembleia das eleições que passaram. Podem encontrar esse documento aqui (de notar que os valores reflectem os votos antes de se saberem os resultados do estrangeiro).

Este documento tentar colocar em perspectiva algumas das injustiças do nosso sistema eleitoral. Por exemplo, é claramente óbvio que "custa" muito menos ao PS e ao PSD (20-21 mil votos/deputado) eleger deputados do que a partidos mais pequenos (27-36 mil votos / deputado). Mas o mais engraçado desta medida em particular é a barreira de entrada para o Parlamento havendo um partido com três vezes mais votos do que cada deputado custou ao PSD ou ao PS, ou quase duas vezes tantos votos como o que cada deputado custou ao BE e mesmo assim não conseguiu um único assento na assembleia.

Também é engraçado notar que com "apenas" 38% dos votos dos eleitores (que se manifestaram), o PSD conseguiu eleger 46% dos deputados do Parlamento. Em contraste o BE, com 5% dos votos, elegeu pouco mais de 3% dos deputados.

Outro número giro nesta coisa toda é o número enorme de votos que são desperdiçados. Há quase meio milhão de pessoas que foram votar no dia 5 de Junho e desses votos não resultou um único deputado na Assembleia da República. Neste meio milhão de pessoas estão contabilizados não só os votos em branco e nulos, mas também os votos numa série de partidos (250 mil).

Como é possível continuar a usar-se um sistema de eleições tão claramente injusto e que ainda por cima manda votos para o lixo (e nem estou a meter ao barulho as pessoas que se abstiveram, senão é que os números pareciam mesmo muito mal*)? Uma possível resposta a esta pergunta é relativamente simples, quem tem o poder para realmente mudar isto (os partidos grandes o suficiente para formarem governo) não tem interesse nenhum em que se mude este modelo já que ele favorece principalmente os partidos grandes. Deixo-vos com 2 vídeos que falam sobre o poder da abstenção e dos votos brancos/nulos neste sistema aqui e aqui.

Eu sou da opinião que a representação na Assembleia da República devia ser ditada por uma representação proporcional aos votos obtidos, no mínimo dos mínimos entre os partidos que foram votados. Para ser ainda mais justo acho que se deviam incluir lugares vazios no parlamento para "representar" os votos em branco e nulos. Desta forma (é a coluna da distribuição hipotética de deputados na folha de cálculo que criei) tínhamos a certeza que o maior número possível de votos expressos teria uma repercussão em assentos no parlamento, e portanto que votar em branco ou nulo também mandava uma mensagem e teria consequências na governação dos próximos 4 anos. Neste sistema apenas 32 mil votos seriam desperdiçados (no sentido de darem resultado a assentos parlamentares), o que me parece uma melhoria óbvia. A distribuição de deputados pelos partidos também é bastante mais próxima da distribuição de votos, e até aparecem meia dúzia de partidos com assento parlamentar que não o teriam no método d'Hondt.

Mas para mim a principal vantagem deste sistema é que retira a facilidade que há nos governos em formarem maioria absoluta. Os partidos já não conseguiriam maiorias absolutas com apenas 45% dos votos (sem contar com brancos e nulos) expressos, como o PS conseguiu nas legislativas de 2005. Nessas legislativas, mesmo sem a regra dos assentos vazios para os votos em branco, o PS não teria obtido maioria absoluta.

Volto a perguntar, porque raio é que não é assim, mesmo?

* E porque é que não estou a contabilizar estas pessoas? A palavra de alguém que queria marcar uma posição política com a sua abstenção está misturada com a palavra dos mandriões que nem se dão ao trabalho de fazerem o esforço de saírem da sua rotina diária para ajudarem a decidir o futuro do país. As pessoas que não acreditam no sistema eleitoral (um exemplo de posição que pode estar a ser tomada) estão no mesmo saco que as pessoas que foram para a praia deixando os outros decidir por elas. É evidente que acho que as verdadeiras vozes de descontentamento deviam ser ouvidas, e para tal também acredito que deviam haver formas de perguntar aos portugueses se estão contentes com o modelo da nossa sociedade.

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