4 de dezembro de 2011

Educação (mais) gratuita

Todos os anos no fim de Agosto e inícios de Setembro há um fluxo enorme de compras que são feitas para o "Regresso às Aulas". Há que comprar os livros para as várias disciplinas, novos cadernos, canetas e mochilas. Todos os anos há uma ou outra reportagem na televisão ou jornais a entrevistar alguém para quem este peso é imenso mas que como é para o bem dos seus filhos faz o sacrifício extra.

O 74º artigo da nossa Constituição diz que "na realização da política de ensino incumbe ao Estado assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito", tudo isto no interesse de assegurar o direito de igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar. No entanto, mesmo que a frequentar uma escola não incorra em custos adicionais para os pais, ainda há este custo inicial dos livros e materiais que se têm de comprar ao início de cada ano lectivo e que pode ser um detrimento para muitos oferecerem a educação aos seus filhos. Será que não se poderia também resolver este problema?

Desde que tenho um Kindle e que experimentei em primeira mão esta tecnologia de ebooks que acho que poderiam ser a forma ideal para reduzir em muito os custos da educação que ainda são impostos aos pais dos educados. Imaginemos um EduKindle que qualquer pessoa pode comprar para o seu filho e que o segue durante a vida escolar. Nesse dispositivo o aluno teria à sua disposição a versão electrónica de todos os livros que precisa nesse ano, que seriam actualizados todos os anos fazendo com que nunca fosse preciso comprar livros no início do ano lectivo. O preço deste dispositivo, se fosse equiparável ao preço de um Kindle actual, rapidamente seria amortizado ao longo dos anos de escolaridade obrigatória e todos os alunos ganhavam com este equipamento. Não só tinham a educação mais barata, aliviando a carteira dos pais, como também não tinham de carregar com quilos e quilos de livros às costas (um Kindle pesa 170 gramas e pode facilmente "carregar" com os livros todos).

Para reduzir os gastos sazonais, poder-se-iam desenvolver formas de usar o ecrã do EduKindle como papel, e guardar um "caderno" no EduKindle permitindo reduzir também nos custos em cadernos e material de escrita. Para reduzir o impacto da compra do EduKindle no primeiro ano de escola de uma criança, podia-se garantir que os pais compravam o dispositivo em prestações (sem juros!).

Como esta ideia, há outras ideias menos tecnológicas que poderiam ajudar a mover o fardo da educação (que se quer o mais barata possível para as famílias de forma a providenciar igualdade de acesso principalmente aos mais pobres) das famílias para o Estado. Um exemplo seria as escolas manterem um repositório de livros suficientemente grande para emprestar aos alunos (ou, para poupar um pouco, pelo menos aos alunos mais carenciados). Um grande "contra" desta abordagem seria que de dois em dois anos "teria" de se renovar a reserva de livros já que os livros recomendados das disciplinas mudam de dois em dois anos.

É aqui altura para analisar o porquê desta renovação bianual* de livros. Porque é que o filho de nove anos não pode usar o mesmo livro para aprender as mesmas matérias que o filho de onze anos usou dois anos atrás?



O modelo actual de todos os alunos precisarem de comprar meia dúzia de livros todos os anos só beneficia um grupo: as editoras que imprimem e distribuem os livros (e em muito menor escala, os autores dos mesmos). É escandalosamente óbvio que não se muda a forma como os livros são distribuídos pelas crianças para manter estas receitas sazonais das grandes editoras portuguesas. Os mecanismos menos tecnológicos que falei não são postos em prática (em grande escala) para manter o negócio das editoras. O EduKindle nunca seria considerado pelas mesmas razões: estaria a mexer com os interesses económicos de jogadores muito grandes e com muita influência, e não podemos ter disso.

Existe uma maneira óbvia de usar a tecnologia que já existe para melhorar substancialmente um aspecto básico da nossa sociedade, e não se envereda por esse caminho para não afectar os grandes interesses económicos instalados. Isto, na minha opinião, é um exemplo de como a nossa sociedade actual tem os valores seriamente trocados. O direito das pessoas a uma educação sem entraves económicos devia prevalecer sobre o "direito" ao lucro das empresas de distribuição de papel com tinta, e este tipo de iniciativas devia ser incentivada ou mesmo completamente subsidiada pelo Estado. Isto, por exemplo, era algo que não me importaria de pagar mais impostos para ter.

* Digo bianual, mas na realidade não faço ideia com que frequência actualmente mudam os livros "recomendados" pelo Ministério da Educação / Escolas. Fica, no entanto, a referência que o meu irmão, três anos mais novo e a ir para as mesmas escolas que eu, teve de comprar livros novos porque os que eu tinha não serviam.

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